quarta-feira, setembro 27, 2017

EU ESCREVI ISSO EM 2005???

Escrevi sim. Estou entre me achar "o premonitor", "o Nostradamus" tupiniquim, ou desiludido quanto a possibilidade de um dia as coisas mudarem para melhor, mesmo que minimamente. 

O texto foi publicado na seção Cartas do Leitor, no jornal Propaganda e Marketing, em Agosto de 2005 em reação a algumas opiniões sobre corrupção (era a época do Mensalão). Republico porque poderia ter escrito hoje o mesmo, sem qualquer retoque.



BOTANDO A COLHER

Ora, bolas! Eu também quero meus centímetros-colunas de espaço. Vejo todo mundo dando sugestão de como acabar com a corrupção, como deve ser uma nova legislação eleitoral, como diminuir os custos das campanhas políticas e como evitar desvios de recursos. Quero aproveitar este momento em que a sociedade parece estar querendo ouvir o que os publicitários, protagonistas cada vez mais centrais, têm a dizer.

Pois eu digo que não existe lei que acabe com a corrupção, não importa tipo, local e tamanho. Sobreviver é uma tarefa natural do ser humano e, características pessoais à parte, a corrupção, ativa ou passiva, é uma poderosa arma na selva da competição meritocrática universal.

Não somos, como povo, diferente de qualquer outro. A diferença é que, por exemplo, lá naquele grande país do norte, o sujeito pego na falcatrua corruptiva não tem coragem de voltar para casa e e enfrentar os filhos.

Aqui, ele vai à CPI, sob os holofotes e câmeras da TV Senado, espiar seus pecados e... chorar. Ele sabe que o tempo passa e a justiça brasileira cuida de cozinhar os processos em fogo baixo até que tudo tenha se evaporado no tempo. A corrupção só tem fim com o fim da humanidade e, se tal é, há que nos conscientizarmos que porta de galinheiro aberta é convite para raposa banquetear. Isto quer dizer que precisamos investir em constrangimento (polícia) e punição (justiça), as únicas ferramentas eficazes à disposição da sociedade.

Em crime de colarinho branco, polícia significa Receita Federal combinada com Polícia Federal. E o Brasil tem hoje um dos melhores sistemas de controle de origem e destino de recursos financeiros do mundo. Falta usá-los para dar o recado.

Em minha opinião, portanto, qualquer outra discussão só tem como consequência desviar a atenção e manter o famoso status quo.

E, por favor, querer que acreditemos em uma reforma eleitoral que nos fará votar em uma "lista" de fantasmas (*) é nos imaginar completos imbecis.

(*) Mas eles continuam tentando.




quarta-feira, setembro 20, 2017

O QUE DECIDEM OS POLÍTICOS: SOLUÇÃO DIRETA OU INDIRETA?

O novo modelo de comportamento humano e dos relacionamentos deste com tudo que o cerca (gente e coisas) como resultado da globalização tecnologicamente evoluída, definido por Zygmunt Bauman como "modernidade líquida" pelo seu caráter extremo de fluidez, inclui entre suas características, uma inevitável superficialidade no processo perceptivo e consequente construção do arcabouço das opiniões, visões e, mais grave, das convicções pessoais.

O entendimento, razoavelmente correto, do que se apresenta no hoje (sobre o que quer que seja), depende, obrigatoriamente, de um esforço para a busca de informação histórica, multidisciplinar e, invariavelmente complexa, que alguns não estão dispostos a despender.

Sendo o exposto uma proposição genérica, abrangente, quero tratar de um assunto particular e presente na atualidade da discussão política no Brasil: a bandeira da volta dos militares ao poder erguida parte de alguns segmentos da sociedade.

Recebi nesta semana dois vídeos. O primeiro, um pequeno trecho de uma entrevista do jornalista Alexandre Garcia com o ex-presidente João Figueiredo feita a 51 dias de deixar o poder, em janeiro de 1985. A fala de Figueiredo explica, quase que didaticamente, quão longe deve o militar se manter distante do poder político de uma nação. Diz ele:

"Eu pensei que pudesse agir fora do quartel como eu agia dentro do quartel. Aí é que eu me dei mal. A gente com quem eu ia lidar era completamente diferente. No quartel só se falava em cumprir o dever, bandeira, defender o Estado, viva a pátria, era o dia inteiro isso. E aqui fora você só via o interesse particular. A última coisa que eu ouvia falar era em Brasil. A ponto de eu perguntar uma determinada vez a um político: e o Brasil? Ora, presidente!"

Nesta resposta pode-se perceber o reconhecimento de que os princípios que norteiam as condutas do mundo militar são incompatíveis com princípios básicos e elementares de um regime democrático e, consequentemente, aqueles que com eles se identificam não são portadores das habilidades exigidas ao mundo civil, principalmente, na política (*). A democracia é, por essência, o regime dos interesses particulares (de pessoas, empresas, organizações de todos os tipos e objetivos). É o conflito, o embate de ideias e interesses contrários, que determina os caminhos a seguir, enquanto nos cartéis acatam-se ordens, sem discussão. Não há outra conclusão, portanto, a não ser a de que aqueles que clamam uma solução militar estão, simplesmente, clamando por uma ditadura. 


Kin Jon-Un
Mugabe


Mugabe

Dito isto, conclamo os desejoso de um regime militar como panaceia para os graves problemas do Brasil que, com base em governos militares (ou sustentados pelas Forças Armadas) do presente e do passado mundo afora, construam duas listas: aqueles países que podem ser considerados minimamente desenvolvidos (considerando nível de bem-estar dos cidadãos) e aqueles que estão ou estiveram entre os mais sub-desenvolvidos. Algumas sugestões: Cuba de Castro, Alemanha de Hitler, Venezuela de Chaves e Maduro, Coreia do Norte de Kim Jong-un, Argentina de Viola, Chile de Pinochet, Zimbábue de Robert Mugabe, Tailândia  de Prayuth Chan-ocha, Sudão de Omar Hassan-al-Bashir etc.

Volto a Figueiredo. Ao ser questionado por Alexandre Garcia "se foi fácil" conduzir a abertura política e a devolução do poder aos políticos, diz:

"Não, não foi fácil. Só foi fácil por causa da compreensão dos companheiros das Forças Armadas, que apoiaram e acharam que estava na hora da revolução provar que de fato queria a democracia. E nesse aspecto todos me ajudaram."

Releiam, pois é uma confissão do reconhecimento de todo o corpo das Forças Armadas de de que o lugar do militar era, e continua a ser, "cumprir o dever, cuidar da pátria, defender o Estado". Acima de tudo, eu diria, defender a democracia.

Ao final da entrevista, Figueiredo, desiludido com as pessoas que encontrou ao longo de seu governo, implicitamente reconhecendo a incompatibilidade dos valores militares com os valores da política, diz sobre o futuro reservado a Tancredo:

"Eu tenho pena do Tancredo porque ele vai passar pelo que eu passei."

O segundo vídeo, é de um evento em uma loja maçônica de Brasília, no dia 15 de setembro de 2017, quando o General Antonio Hamilton Mourão, responde a um questionamento sobre a possibilidade do exército fazer uma intervenção militar. Eis sua resposta atribuindo-a a uma visão do Alto Comando do Exército:



"O nosso comandante desde o começo da crise, definiu um tripé para a atuação do Exército (estou falando aqui na forma como o Exército pensa). Ele se baseou, número 1, na legalidade; número 2 na legitimidade que é dada pela característica da instituição e pelo reconhecimento que a instituição tem perante a sociedade; e número 3, não ser o Exército um fator de instabilidade (...)."

E adverte:

“Ou as instituições solucionam o problema político retirando da vida pública os elementos envolvidos em todos os ilícitos ou então nós teremos que impor uma solução“. 

Ou:

“Os poderes terão que buscar uma solução. Se não conseguirem, temos que impor uma solução. E essa imposição não será fácil. Ela trará problemas. Pode ter certeza”. 

Não vejo absolutamente nada de surpreendente nesta fala. Ou alguém pensa que os militares no âmbito da caserna, não estão, tal como nós, civis, em nossas casas, discutindo o que se passa na política? Mais. Alguém acredita que os militares ignoram os gritos de parte da sociedade que reclama uma pretensa solução autocrática? É óbvio, natural, coerente, que os membros da instituição estejam, tal como em todas as demais, avaliando as circunstâncias para decidir por quê, como, quando e onde agir, e, até mesmo, se necessário agir. 

Muito me tranquiliza a fala do General, pois absolutamente equilibrada e realista. É reveladora da consciência que os atuais componentes do Alto Comando têm sobre suas responsabilidades com o país. Assim ele termina:

"A minha geração (...) é marcada pelos sucessivos ataques que a nossa instituição recebeu de forma covarde (...) de forma não coerente com os fatos que ocorreram (...) isso marcou a geração (...) Existem companheiros que até hoje dizem "pôxa nós procuramos fazer o melhor e levamos pedrada de todas as formas. (...) Quando a gente olha o juramento que nós fizemos,nosso compromisso é com a nação, com a pátria, independente de sermos aplaudidos ou não." 


O futuro da democracia está onde sempre esteve: nas mãos daqueles que se dedicam à política. O caminho pode ser direto, pelas decisões tomadas no Congresso, ou, indireto, passando por um interregno conduzido por uma tomada temporária do poder pelas Forças Armadas. Esperemos para ver qual será a solução escolhida pelos atuais congressistas. 

Eu recomendo assistir a íntegra da entrevista de Figueiredo e o vídeo da fala do General Mourão.

(*) É lendo Bauman que aprendemos que a política é a capacidade de decidir prioridades enquanto o poder é capacidade de realizar.


QUANTOS FICARÃO DE FORA?

Um evento em San Francisco, USA, o "Singularity University Global Summit 2017", aconteceu de 13 a 15 de agosto/17.  O evento tratou sobre o futuro dos negócios, da tecnologia e da humanidade. Um resumo me chegou por emeio. Ei-lo.

Resumo do primeiro dia em 10 itens: 


1. Foram pouco mais de 
1.300 participantes de 64 países. 70% não americanos. 

2. Em 2030, mil dólares vão comprar poder computacional equivalente ao cérebro humano. Em 2050, mil dólares vão comprar poder computacional equivalente a todos os cérebros humanos juntos.

3. Em 2017 serão 3 Bi de pessoas conectadas à internet. Entre 2022 e 2025 será o mundo inteiro. 


4. As próximas duas décadas serão diferentes de qualquer coisa que vivemos nos últimos cem anos.

5. Podemos prever empregos que serão absorvidos pela tecnologia. Mas não podemos prever quais empregos vão surgir a partir da tecnologia. A dificuldade é a velocidade com que isso está acontecendo.

6. 130 milhões de pessoas no mundo estão satisfeitas com o seu trabalho. Parece muito, mas em termos mundiais é nada.

7. Veículos elétricos têm 90% menos partes móveis do que veículos tradicionais.

8. Na China todos os taxis serão elétricos até 2020.

9. O custo de um carro elétrico vai reduzir drasticamente nos próximos 5 anos. Razões: demanda e abundância.
10. Esqueçam os wearables. Estamos entrando na era dos insideables.


Resumo do segundo dia em 10 itens: 
1. A vida humana é um problema de engenharia de software


2. As ferramentas do nosso tempo: big data e machine learning.


3. 3 bilhões de pessoas vivem com menos de 2,5 dólares por dia. E 80% da humanidade vive com menos de 10 dólares

4. 90% das enfermeiras que usam Watson da IBM seguem as recomendações do Watson.


5. Automação e inteligência artificial criarão empregos. Posso tornar qualquer coisa inteligente usando inteligência artificial e ganhar dinheiro com isso. Estados Unidos é o país mais automatizado do mundo e não perdeu emprego com isso.

6. No futuro teremos muito mais máquinas do que humanos.

7. Ensinamos da mesma forma há cem anos. Sistema educacional é resistente a uma mudança disruptiva. Que tal just in time education?

8. Nossas premissas sobre o mundo podem limitar nosso pensamento. E isso faz toda a diferença.

9. Organizações não mudam até que todas as pessoas mudem.

10. Líderes exponenciais não tentam mudar o mundo. Eles tentam mudar a si mesmo.


Resumo do terceiro e último dia em 20 itens. 


1. Em 2020, 85% das interações com clientes será através de máquinas. E essa será uma das formas de se diferenciar dos concorrentes.

2. 75% dos millennials consideram a comunicação através de mensagens de texto uma opção de relacionamento com o cliente e tem duas vezes mais chance de se manter fiéis à empresas que oferecerem essa forma de comunicação com eles.

3. 30% dos millennials não possuem o ícone do telefone na tela principal dos seus smartphones.


4. Empresas hoje já produzem carne de frango e gado sem matar nenhum animal. A partir da célula animal.

5. 20% de todas as buscas em dispositivos móveis já são feitas por voz.

6. Veículos e objetos autônomos vão mudar as cidades profundamente.

7. Criatividade, empatia e coragem são as habilidades do futuro.

8. As instituições de ensino que existem hoje, em sua maioria, foram criadas com pressupostos de 60 anos atrás. O ensino médio é a chave para mudar todo o sistema educacional.

9. O principal problema da educação é cultural. Há cem anos é igual. Muitos falam de customizar ensino para crianças, mas a chave é customizar ensino também para os professores. Um a um. Até a mudança ocorrer.

10. O futuro da educação é learning by doing.

11. Vamos mudar a lógica de "vender carros" para "vender serviços de mobilidade".

12. O mundo hoje está fazendo a transição da era industrial para a digital da mesma forma que anos atrás fazia da era agrícola para a industrial. Mas MUITO mais rápido.

13. Existem 2.6 bilhões de smartphones no mundo. E 9 vezes mais dados somente nos últimos DOIS anos.

14. As pessoas vão aprender dentro de uma lógica de "nano-learning", e não de um longo investimento em educação para usar somente um percentual mínimo daquilo que se aprende. Todos terão um portfólio de trabalho, que será nano-desenvolvido. 

Estes serão considerados empregados "commodities". Os que realmente terão valor, serão aqueles de ampla formação. This is my humble opinion!

15. Os maiores problemas do mundo são também as maiores oportunidades de negócio.

16. Robôs serão considerados uma opção de força de trabalho assim como hoje consideramos funcionários, terceirizados, freelances e a crowd. Simples assim.

17. Ser exponencial é atualizar e se atualizar de tudo constantemente.

18. O Vale do Silício tem uma palavra para descrever fracasso. Se chama experiência.

19. Hoje existe abundância de capital, conhecimento, habilidades e tecnologia. Não há desculpa para não fazer as coisas. Não há limites. A única limitação é a nossa convicção e comprometimento de simplesmente ir e fazer.

20. Em poucos anos todos trabalharão para aprender, ao invés de aprender para trabalhar.

[Quem viver, verá!]

domingo, agosto 27, 2017

APRIMORAMENTO, SIM, REFORMA, NÃO!

Há tempos venho construindo uma visão sobre, principalmente, sistemas políticos que parte de uma proposição simples: chega de mudança! Ainda não tenho o pensamento e uma consequente proposição conceitualmente estruturada o suficiente para apresentar aqui. Entretanto, frente ao fato do Congresso brasileiro estar hoje na iminência de decidir sobre mudanças em nosso sistema que serão válidas para as eleições de 2018, decidi fazer esta postagem mais em termos práticos, deixando conceitos mais amplos para o futuro.

Mas dois conceitos básicos são necessários antes que possa prosseguir para o entendimento do que venho propor. O primeiro diz respeito ao fato de que todas as formas de vida, os átomos, o clima, o sistema solar, o universo, as sensações humanas e tudo o mais, não cambiam abruptamente, não transitam de um estado para outro sem terem passado por um processo marcado por mudanças evolutivas de um status em direção a um outro status normalmente oposto, frequentemente alternativo. A água não "pula" do estado líquido para o gasoso. Ao ser submetida a calor, a água gradativamente evolui para o estado gasoso. E tudo o mais obedece a esta lei que proponho chamar de "lei do aprimoramento evolutivo".

O segundo conceito é a realidade de que todo sistema, por mais bem elaborado, por mais aparentemente perfeito, é, por força das imponderabilidades e incertezas das forças que atuam sobre ele, são, inexoravelmente imperfeitos. Um executivo de uma indústria do que quer que seja, percebe um funcionamento não tão bom quanto desejaria de um produto sobre sua responsabilidade, não joga o projeto fora e propõe um novo. Ele não muda de produto, ao invés, ele investe em pesquisa e aprimoramento para torná-lo melhor do que é.


Isto posto, olhemos para os sistemas políticos. Como qualquer sistema, ele jamais será perfeito. Se alguém se der ao trabalho de comparar todos os sistemas políticos existentes nas mais de 200 nações atualmente existentes, eu me arrisco a supor que não encontrará dois iguais, na melhor das hipóteses, semelhantes.

Como cidadãos de um Estado-nação, temos uma característica comum de, quando alguma coisa está ruim, que elas mudem de status num passe de mágica, ou politicamente falando, no surgimento de um "salvador" que nos levará "à terra prometida" dos discursos de campanha. (Que os filósofos de Platão aos de plantão, expliquem este desejo que contradiz o que a vida nos diz a todo instante!)

Este direito que os cidadãos comuns têm de cuidar do próprio umbigo como mantra primordial, não o têm aqueles que se propõe a propor os caminhos e regras para a manutenção do desenrolar da  história do país de forma equilibrada, consistente e evolutiva para o aprimoramento.

Chegamos assim ao que se discute, hoje, na Câmara dos Deputados, e que em seguida o será no Senado: uma reforma política ajambrada para atender interesses próprios de perpetuação no poder, seja por desprezo ao país, seja por argumentos puramente eleitoreiros. Qualquer nova regra que não estimule fortemente a renovação dos nossos representantes, será considerada, com certeza, um atentado contra os desejos atuais dos eleitores.

Temos hoje um sistema que apresenta quatro questões que demandam avaliação e ajustes: o presidencialismo de coalizão que se tornou de "cooptação; o voto proporcional para cargos do legislativo; as coalizões por princípios espúrios; e o financiamento de campanhas. Todos têm inconveniências que precisam ser minimizadas. Todos têm regras de funcionamento que precisam ser aprimoradas. 

Caminharemos para dias melhores se nossos parlamentares tiverem foco na evolução dos processos em lugar de proposições de ruptura; se levarem em conta que o Brasil já fez sua opção pelo presidencialismo reiteradamente; se entenderem que todo o processo político precisa estar sob novos parâmetros de redução de custo (não só das campanhas); e quiserem realmente representar os cidadãos voltando suas atenções para o conhecimento das demandas, principalmente, daqueles que pertencem ao conjunto que eles chamam de "povo". 

Chega de rupturas/mudanças que atendem exclusivamente ao esprit de corps político! 

Aprimoramento já, e SEMPRE!


Se você também não gosta de hipocrisia na política, 
você precisa conhecer o PARTIDO NOVO.

segunda-feira, agosto 07, 2017

NESTE MEIO EU SOU A MENSAGEM


Zygmunt Bauman e Ezio Mauro
Depois de Epicuro, voltei a Zygmunt Bauman (quem chegou só agora, veja postagens anteriores). Li "Babel, entre a incerteza e a insegurança" (Ed. Zahar 2016). Escrito com Ezio Mauro, jornalista e escritor italiano. Também esta obra em forma de diálogo.


Neste livro, os autores tratam dos sentimentos e dúvidas dos cidadãos no mundo fluido atual. O que selecionei tem, como sempre, uma correspondência com nós, cidadãos brasileiros deste pós ruas de 2016.


O título desta postagem, "Neste meio eu sou a mensagem", é uma conclusão que cheguei em 1997 depois de meu primeiro ano de internauta. Eu não imaginava o quanto ela se tornaria uma síntese de nossos dias atuais.

Como sempre, entre colchetes "[]" e negritos, são interferências minhas.


EZIO MAURO
Estamos descobrindo que acreditar nas formas e instituições da democracia não é o bastante. A democracia não é autossuficiente.

Governos democráticos são instáveis porque tudo está fora de controle

Autonomia da crise: a crise é indiferente ao processo democrático [e] tira vantagem das fraquezas desse processo e exagerando-as.


ZYGMUNT BAUMAN

Freud
Como observou Freud, em nome de maior segurança, nós tendemos a estar prontos para sacrificar e ceder grande parte de outro valor que exaltamos, a liberdade.

De maneira pendular, nós vamos da ânsia por mais liberdade à angustia por mais segurança.

Eleitores apenas procedem mecanicamente (...) eles vão às cabines eleitorais para escolher males menores.

A apatia política não é novidade. (...) Já na virada para o século XX, pensadores já nos advertiam sobre a passividade dos membros da base dos partidos políticos, bem como da maioria do eleitorado, causada pela incapacidade da gente comum, equipada apenas de conhecimentos médios, de compreender a espantosa complexidade das questões que os poderes investidos confrontam diariamente e com que são obrigados a lidar. [Desde lá já se observava que os cidadãos] são incapazes de contribuir com qualquer coisa relevante.

A passividade dos cidadãos era baseada na confiança de que governos e parlamentos podiam realizar a tarefa [de conduzir a sociedade] e cumprir suas promessas. Contudo, agora não é mais assim.

A política é reduzida à dimensão de evento, o guru substitui o líder, a celebridade toma o lugar do renome, a popularidade, o lugar da reputação.

A democracia foi sustentada pela tradução contínua de interesses privados em questões públicas e de necessidades públicas em direitos e deveres privados.

Não há sentido em desenvolver lealdade para com nossos colegas de trabalho, os quais já não são mais companheiros de armas. Não faz sentido, tampouco, desenvolver lealdade para com a empresa. Quem sabe quanto tempo vão eles permitir que você fique? Essa é a mentalidade dos nossos tempos.

Onde isso vai dar? Estamos preocupados com o estado lamentável da democracia e a impotência cada vez mais patente das instituições criadas em seu nome. Preocupamo-nos com a política reduzida a espetáculo; os cidadãos, a espectadores; o discurso político, a oportunidades para tirar a foto; e a batalha de idéias, à competição entre "marqueteiros".

Existe alguma perspectiva realista de um movimento de massa em defesa da nossa democracia doente e vulnerável?

Essas manifestações [de rua], inclino-me a dizer, são casos de "solidariedade explosiva": por um instante as pessoas suspendem as diferenças de seus interesses e de suas preferências a fim de liberar a energia acumulada pelo grande número de manifestantes e de maneira tão impressionante (e esperançosamente efetiva).

EZIO MAURO

Hoje nos falta um "telhado", algo que compartilhamos e que pode nos manter juntos, dando-nos um sentido de pertencimento e de identidade na nossa relação uns com os outros.

O que está em jogo aqui não são apenas as conseqüências de graves transformações no trabalho, mas o próprio trabalho.

Rifkin, em The Zero Marginal Cost Society: Uma vez que, nos mercados capitalistas, capital e trabalho se alimentam um do outro, o que acontece quando tão poucas pessoas estão produtivamente empregadas que não  há compradores para adquirir os bens e serviços de quem os vende?

Para Ulrich Beck o que está em jogo não são apenas milhões de desempregados. (...) Tudo o que temos está em jogo. A liberdade política e a democracia na Europa estão em jogo.

Se participarmos de alguma batalha política ou se nos trancarmos em  nossas casas, isso não faz nenhuma diferença.

Não somos mais capazes de encontrar razões para construir, propor, reformar.

O cidadão é chamado a abastecer seu voto com sua raiva, a qual é então preservada em compartimentos esterilizados até o período eleitoral seguinte.


ZYGMUNT BAUMAN

Os seres humanos se ressentem de atenção e negligência; ter seu mérito reconhecido e apreciado é, segundo Platão, uma necessidade humana fundamental.

A economia "erótica" ou consumista é conhecida por ajustar a demanda à oferta seduzindo consumidores prospectivos a desejar produtos de que ele nunca imaginou precisar.

Peter Sloterdijk: Hoje, o indivíduo é em primeiro lugar e acima de tudo um consumidor, não um cidadão.


EZIO MAURO

Eis onde estamos: a exclusão é a nova forma da desigualdade, não apenas uma de suas consequências.

Quem vive no espaço dos fluxos não tem mais necessidades de laços nem de responsabilidade [social].

Precisamos dar um novo significado (...) a ex-cidadãos que não têm mais identidade, indivíduos que não projetam nenhuma sombra social, não deixam nenhuma pegada política em pleno meio onde vivemos.


ZYGMUNT BAUMAN

Hoje, todos estão sozinhos não só na morte, mas em seus esforços para continuar vivos. (...) Ser abandonado e excluído, rejeitado e relegado à lixeira não engendra solidariedade, gera e causa desrespeito mútuo, desconfiança, rancor e aversão (...) um vale-tudo pelas migalhas que caem das mesas festivas da sociedade de consumo.

Sindicatos? Greves? Nada a esperar daí, a não ser mais fábricas fechadas e abandonadas pelos proprietários de capital, ofendidos com as reivindicações e a militância inospitaleira e arrogante dos obstinados habitantes locais.

Acredito que o que nos mantém vivos e atuantes é a imortalidade da esperança. E como Camus, "Eu me rebelo, logo existimos."


EZIO MAURO

Colin Crouch: Quanto capitalismo a democracia pode aguentar?

(...) pois na democracia o poder está sempre em leilão.



ZYGMUNT BAUMAN

Por "natureza prática" queria dizer que devemos ser realistas - brutalmente honestos com nós mesmos - quando se trata de nossas chances de levar as transformações a cabo.

A necessidade é uma ilusão, ou pior: para citar o discurso de William Pitt, o Jovem, em 18 de novembro de 1783, a "necessidade é o pretexto para todas as violações da liberdade humana. É o argumento dos tiranos, é o credo dos escravos.

O mundo dos seres humanos é um reino de possibilidades-probabilidades, não de determinações e necessidades.

A ruína notória de todo e qualquer governo do dia: o déficit crônico de poder que seria necessário para lidar com os problemas que afetam a vida cotidiana e as perspectivas de vida de seus cidadãos.


EZIO MAURO

Eu permaneço no interior dos fluxos, plenamente imerso na poeira fina da informação, exposto aos ritos televisionários de poder. Esse mecanismo, porém, só anda numa direção, e tudo o que posso fazer é mudar de canal ou desligar o aparelho à noite.

Sou um cidadão-cliente: na verdade, um consumidor. Eu compro e recebo idéias pré-processadas e transmitidas de formas funcionais para a narrativa de outrem.


ZYGMUNT BAUMAN

Pelo uso da força, as pessoas podem ser obrigadas a fazer algo de que prefeririam se abster. Pelo uso do dinheiro (grandes quantidades de dinheiro), as pessoas podem ser induzidas a fazer o que não fariam por iniciativa própria. Pelo uso da sedução, as pessoas podem ser tentadas a fazer coisas pela pura felicidade de fazê-lo.

As tentações da irresponsabilidade são quase irresistíveis.

Desde o começo da humanidade os seres humanos preferiram deixar a responsabilidade [de conduzir o mundo, a vida], total e indivisa, para os deuses.

Sejamos francos e honestos: a maior parte das pessoas sob a maioria das circunstâncias não está ansiosa para (e nem gostaria de) jogar as responsabilidades sobre seus próprios ombros.

Os jovens atuais vivem numa "conectividade" que substituiu sub-repticiamente as coletividades dos velhos tempos. (...) os jovens de hoje "têm acesso a todas as pessoas" com seus smartphones. Com os Sistemas de Posicionamento Global, eles têm acesso "a todos os lugares. Com a internet, a todos os conhecimentos".


EZIO MAURO

O que estamos excluindo de nosso processo cognitivo é precisamente a seleção, vale dizer, a capacidade de estudar, entender, descartar, definir, refinar e finalmente escolher.

O homem que viveu o processo a partir dos anos 1970 [acabou por se tornar o] "solitário interconectado" que você, Bauman, mencionou.

Se posso fazer tudo sozinho, todas as formas de mediação são injustificadas e arrogantes.

Se tudo é simultâneo, só conta o que é imediato, não o que foi acumulado (...).

Aqui e agora, a impressão toma o lugar da opinião.


ZYGMUNT BAUMAN

Uma "rede" não é um espaço para desafiar as idéias recebidas e as preferências de seu criador. Ela é povoada exclusivamente por pessoas de mesma opinião, dizendo o que a pessoa que os admitiu deseja ouvir e prontas a aplaudir tudo o que quem as admitiu ou nomeou venha a dizer; dissidentes são exilados ao primeiro sinal de discordância.


EZIO MAURO

Eu sou tecnicamente capaz de investigar a sua vida, todos os mínimos  recantos, em nome de sua segurança e da dos demais. Por essa razão, eu o faço.

A internet mudou radicalmente não só a comunicação e a conexão, mas também a história, já que na rede tudo acontece no presente; mudou a geografia, pois a internet é ubíqua; mudou a economia, com companhias digitais que valem mais do que os negócios off-line; mudou os costumes, virando de pernas para o ar o equilíbrio do saber entre nós e nossos filhos.

Bertrand Russel chama de "imunidade à eloquência" a capacidade de resistir à falsa mágica das palavras do Poder.

A revolução da espacialidade desencadeada pela globalização, junto com a revolução tecnológica, produziu a explosão da espacialidade moderna - do espaço nacional, social, político -, desintegrando a soberania popular e a soberania pública, tornando impossível qualquer controle de mandatos e qualquer limite à representação.


ZYGMUNT BAUMAN

Stanley Milgram
Stanley Milgram, pesquisador universitário de Yale, pediu a estudantes dessa universidade altamente prestigiosa - pessoas ostensivamente bem educadas, inteligentes e instruídas - para dar choques de 400 volts, muito doloroso, em participantes de um pretenso estudo científico sobre processo de aprendizagem; 65% deles obedeceram ao comando (para surpresa e consternação dos especialistas, que esperavam que no máximo 5% concordassem com isso!).

[A explicação para tipos de casos como este e outros, como por exemplo, soldados que obedecem a ordens de extermínio de outros cidadãos, é a percepção de que deveriam obedecer aos "superiores", ou às "pessoas no comando", às "pessoas que sabiam o que estavam fazendo".]


A geração atual é uma geração de "solitários sempre em contato".

EZIO MAURO

Mil cacos de informação nada acrescentam ao conhecimento.

Eu mesmo estou no fluxo, eu quero estar nele, eu também sou o fluxo. E tudo se encontra no fluxo, ou pelo menos tudo de que eu necessito.

Em apenas poucos segundos posso responder aos tuítes de Madonna sobre suas ações de caridade como se ela estivesse falando comigo. Eu sou o protagonista, eu sinto o fluxo à minha volta.

Tudo que funcionava como mecanismo de salvaguarda antes da internet, desaba com ela. (...) a rede me leva para dentro dos fenômenos em movimento, quero estar neles como senhor: não reconheço nenhuma autoridade externa. (...) Eu entrei no filme, não vou voltar para a platéia.

Clay Shirky: Filtrar e depois publicar, quaisquer que sejam suas vantagens, repousava sobre uma escassez de mídia que é coisa do passado. A expansão da mídia social significa que o único sistema em funcionamento é publicar e depois filtrar.

[Estamos assistindo] ao fim da hierarquia, da verticalidade da informação, em nome da horizontalidade da comunicação.

Entre meu mouse que descarta opiniões discordantes da minha opinião e meu orgulho satisfeito com as opiniões que concordam comigo jaz o gargalo inevitável pelo qual estou me afunilando, feito de sinais tranquilizadores, mensagens reconfortantes e pensamentos confirmadores. Nós tendemos a viver e a navegar entre nossos iguais, mas o conceito de igualdade dos séculos XIX e XX mudou de significado. Hoje não é social, não é político, não é econômico. Igualdade agora significa apenas concordância, um mundo concorde à minha volta.

Manuel Castells
Castells: Na nossa sociedade, os protocolos de comunicação não são baseados em compartilhamento de cultura, mas na cultura do compartilhamento.

Castells: Não há oposição entre cognição e emoção porque a cognição política é moldada emocionalmente e os cidadãos tomam decisões gerenciando conflitos entre sua condição emocional (como se sentem) e sua condição cognitiva (o que eles sabem). (...) Quando o conflito se acirra, as pessoas tendem a acreditar no que elas querem acreditar. E, mesmo numa crise econômica, é a resposta emocional de um indivíduo à crise, e não uma avaliação refletida sobre qual a melhor resposta para a crise, que organiza o pensamento e a prática política das pessoas.

ZYGMUNT BAUMAN

Kafka: Hoje os portões retrocederam para lugares mais remotos e mais altos, ninguém indica o caminho; muitos carregam espadas, mas apenas para brandi-las, o olho que tenta segui-las fica confuso.


Kafka se associa à suspeita de que hoje o significado do significado é "não ter um significado definido e reconhecível, não o procurar, não o exigir. Contentar-se com os sinais".




EZIO MAURO

Agora os jovens trocam mensagens vazias com seus telefones só para dizer oi, cutucar, confirmar; impulsos são a síntese ultima da palavra e do n Ada e os confundem.

Sinto, logo sou. Estou on-line, logo sinto.

O símbolo, como disse Lippmannn, "assegura unidade e flexibilidade sem consentimento real. Ele obscurece a intenção pessoal, neutraliza a discriminação, ... ele cimenta o grupo... para ações deliberadas. Ele torna a massa móvel apesar de imobilizar a personalidade.

On-line, todos nós nos tornamos receptores e condutores da informação - grande ou pequena - que chega até nós e transita por nós para seguir adiante, sabe-se lá para onde.

Não obstante, como diz Evgeny Morozov, precisamos compreender logo que a internet "penetra e altera todos os caminhos da vida política, não só aqueles que conduzem à democratização", mas também os vantajosos para os poderes instituídos, que podem afiar sues sistemas de propaganda, tornar a vigilância mais eficaz, manipular a nova mídia, controlar o espaço público, voltando-o para o entretenimento e não para a política. Indaga ele: "E se o potencial libertador da internet também contiver as sementes da despolitização e, assim, da 'desdemocratização'?"


ZYGMUNT BAUMAN

Bronislaw Malinowski, um dos principais fundadores da antropologia moderna, cunhou o conceito de "expressões fáticas" - um nome familiar para exclamações do tipo "Alô", "Como vai", "Tudo bem", "Oi", ou "Bem-vindo". A única informação que as expressões fáticas contêm e comunicam é "Estou aqui! E noto que você também está aqui".

E há outra tentação on-line à qual é mais difícil de se resistir: substituir a dura necessidade de discussão por uma jovial liberdade de discurso de ódio.


EZIO MAURO

Vivemos por fragmentos e fragmentamos a  história. Kurt Vonnegut escreveu: "Comunidades eletrônicas não constroem nada. Você acaba de mãos vazias."

Hoje, os efeitos de todo evento isolado se espalham, segundo um processo on-line, em direções e com consequências políticas e culturais que são em última análise imprevisíveis e extravasam toda proporção do evento original.

Ian McEwan
Para Ian McEwan, "a liberdade de expressão, o ato de dar e receber informação, fazer perguntas embaraçosas, pesquisa acadêmica, críticas, fantasia, sátira - o intercâmbio no interior de toda a gama da nossa capacidade intelectual, essa é a liberdade que dá origem às demais. A liberdade de expressão não é inimiga da religião, é sua protetora. Por ser assim, é que há um grande número de mesquitas em Paris, Londres, Nova York. Em Riad, onde ela está ausente, nenhuma igreja é permitida. Importar uma Bíblia hoje implica pena de morte."

O que Simone Weil escreveu em 1934 ainda é válido: "O homem nunca foi tão incapaz, não só de subordinar suas ações a seus pensamentos, mas até de pensar." O que Albert Camus disse vinte anos mais tarde também ainda é válido: "Talvez seja difícil encontrar uma época em que o número de pessoas humilhadas seja tão grande."


ZYGMUNT BAUMAN

Seja como for, eu continuo a repetir que, entre os veículos disponíveis para a viagem ao longo da estrada, é o diálogo sério, com disposição favorável (informal, aberta, cooperativa), buscando a compreensão mútua e o beneficio recíproco, que merece mais confiança. Esse tipo de diálogo (...) exige, acima de tudo, muita serenidade, muito equilíbrio e muita paciência.

[Mas as perspectivas disto se disseminar esbarram no] slaktivismo(*) das redes sociais que instigam seus usuários a expressar seus interesses sobre questões públicas e sua preocupação com os males da sociedade usando o mouse para clicar em "curtir", "compartilhar" ou "tweet", enquanto se iludem de que "estão praticando bem sem sair da poltrona.

(*) Slacktivismo - ativismo de preguiçosos


EZIO MAURO - Epílogo

Joshua Meyrowitz: Na sociedade de caçadores e coletores, a falta de fronteiras tanto ao caçar quanto ao coletar leva a muitos paralelos surpreendentes com as sociedades eletrônicas (eles também não tinham "noção de lugar").

Bulgákov: Alguma coisa vai acontecer, pois uma situação como esta não pode se arrastar para sempre.

O espaço ao qual nos apegamos, ainda desconhecido, ainda receptivo ao debate, é a estrada para sair de Babel.





Se você também não gosta de hipocrisia na política, você precisa conhecer o 
PARTIDO NOVO 
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