quarta-feira, março 25, 2020

O ÓBVIO ULULANTE E O CAPITÃO MALUQUINHO


O processo cognitivo humano é lento. O caminhar do entendimento dos fatos até sua real compreensão é em etapas. Segue não linear e saltitante até que... eureka!, então era isso!? Só isso!?

Aposto que você que me lê tem percebido que desde a primeira vez que ouviu sobre esse tal Covid-19, tem passado de uma certeza a outra a cada novo dia, a cada novo zap que lhe chega, a cada entrevista do ministro da saúde ou de um governador mais midiático, a cada má intenção interpretativa de algum órgão da imprensa televisiva, principalmente, ou jornalista em particular.

Depois de, podemos considerar, duas semanas de enxurrada de informações isentas, outras especializadas, outras falsas, outras mal intencionadas, estamos chegando à compreensão de que não temos pandemia virótica, pelo menos não diferente de tantas outras que nos rondam. A realidade que emerge é a total pandemia da falta de infraestrutura na rede de saúde capaz de dar conta ao atendimento adequado e eficaz àqueles de nós, infectados, que estiver mais propenso a desenvolver uma enfermidade mais grave do que uma simples "gripezinha", essa que não vai afetar a absurda maioria de nós.

A continuarmos nesta insana trilha de indiscriminadamente todos nos mantermos em quarentena domiciliar por um tempo que ninguém sabe qual, teremos como resultado um volume de mortes muito maior causado pela fome, violência, depressão e outros males consequentes. Isto parece que agora pulula como um outro óbvio.

Não estamos, como país, sozinhos na escalada da expansão do vírus. O que o noticiário nos evidencia é que há uma diferença básica entre aqueles onde existiam leitos e equipamentos suficientes (Alemanha e outros), e aqueles que apresentam sérias deficiências na infraestrutura de atendimento hospitalar (Itália, Estados Unidos, Brasil...).  Os primeiros não precisaram radicalizar nas medidas de restrição à livre circulação, enquanto os demais estão caminhando para o caos econômico e social.

Eis o óbvio ululante: a única ação que nos livrará no menor tempo e no menor custo dos danos desta virose é a imediata e intensa criação de leitos e equipamentos em uma quantidade acima da mais pessimista previsão de volume de casos críticos, num verdadeiro "esforço de guerra". Quem não entendeu ainda essa parte da solução problema?

Nosso "capitão maluquinho" já entendeu isso, me parece. O problema dele é sua monumental incapacidade de se comunicar, seja como um líder, seja como um estadista, seja como Presidente da República em sua mais simples atribuição: falar à nação. A pergunta que me faço é que, já sendo vários os fatos que evidenciam tal incapacidade, por que diabos ele ainda abre a boca já que este é o óbvio mais ululante entre todos?

Quando, portanto, senhor Mandetta, sendo eu um idoso com 1 ou 2 cormobidades, vou poder sair de casa com a tranquilidade de que, caso venha a ser infectado, serei pronta e eficazmente atendido? 

P.S.: Mensagem que enviei pelo Whasapp dia 26/3/20:

Povo governante de todas as esferas! Parem de bater cabeça pois o óbvio é ululante, gritaria a plenos pulmões Nelson Rodrigues se vivo fosse. A única estratétigia que resolve é usar todas as táticas imagináveis para disponibilizar leitos, equipamentos e profissionais de saúde em quantidade maior que a mais pessimista previsão, pois, é certo, a contaminação só acabará quando TODOS estivermos infectados. Chama-se isso de "esforço de guerra" concentrado. O resto é discussão hipócrita, política e inócua.


quinta-feira, março 12, 2020

PANDEMÔNIO

Pandemia, pan-neurose. O mundo está bolado, dirá meu neto. Um mundo, que nunca teve pé nem cabeça, está virando de ponta-cabeça, digo eu. Tal movimento de inversão mal começou. Muito há por vir nas próximas horas, dias, semanas e meses. 

Ninguém sabe é nada. Nos chegam declarações, afirmações, suposições, das mais altas autoridades nos dando conta de diagnósticos opostos, incertos, imprecisos, inócuos

Proibem-se viagens, aglomerações, torneios, aulas, beijos e abraços, como se fosse tão simples, tão normal, tão óbvio. Nunca mais o padre dirá "pode beijar a noiva". Quem sabe dirá "podem se acotovelar"!? Transporte público, nem pensar. Compre seu carro - para alegria da indústria automobilística (alguém tem que sair ganhando além dos fabricantes de máscaras e álcool gel). A realidade dura e crua é que ninguém sabe como este vírus se comporta. Como se dissemina? Qual o seu ciclo de vida? Que temperaturas suporta? Uma vez infectado e curado, me torno imune? Todos os governos estão como cegos, à noite, em meio de uma floresta. Caos total.

Muito vai mudar. Quase tudo. A começar pela circulação de papel moeda que é, talvez, o principal disseminador de vírus que existe (para nossas autoridades econômicas e sanitárias ainda não caiu esta ficha).  O lado "bom", é que provavelmente esta realidade será o empurrãozinho que faltava para o seu fim como instrumento monetário. O pequeno lojista, para quem até hoje receber à vista em espécie era a preferência, passará a dar desconto para quem pagar no cartão, de débito ou crédito, não importará, tudo menos dinheiro! Vade retro, Satanás!!!

Não vamos mais ao cinema. Não vamos mais visitar a vovó, ou a filha, ou a amada, ou o amigo, que mora à distância de um vôo. Viajar? Nem pensar! Toda a indústria e serviços de viagens, hospedagem e alimentação estão sendo arrasados!!!O que será de Hollywood? De Bollywood? Dos teatros e artistas? O que será do meu Mengão jogando em estádios vazios? Enquanto não vier uma vacina e um tratamento eficaz, como você pensa que a coisa toda acontecerá? Você tem ideia de se e quando virão tais medicamentos?

As bolsas despencam. E despencam. E continuam a despencar. Comprar na baixa? E quem há de saber em quantos mil pontos o fim do abismo está? Quem comprou ontem como está se sentindo hoje (12/3/20) com a queda de 14%? De qualquer forma capitalistas capitalizados estão babando na gravata à espera do momento de dar o bote e abocanhar a preço de banana em fim-de-feira altas percentagens de ações de empresas, sabe-se lá quais sejam?, que ainda podem gerar lucro. A certeza é que controles acionários mudarão de mãos como mudam de mãos cartas de baralho. Quem produz petróleo a 9 dólares está dando as cartas, e proposital e intencionalmente, quer quebrar quem produz a mais de 30 (o Brasil e seu lula-pré-sal?).

O comércio eletrônico terá um grande impulso, pois ninguém quer mais saber de sair de casa para nada, muito menos ir a lojas e supermercados comprar o que quer que seja. Aos carteiros, entregadores de encomendas, exigir-se-á que se apresentem com luvas e máscara. Antes de pegar na encomenda, uma borrifada de algum produto da Procter & Gamble criado especialmente para desinfetar pacotes entregues pelo correio. Os marqueteiros de plantão tentarão descobrir "oportunidades" na crise como insistem alguns em repetir, repetir, repetir. Será? Ou crise é apenas uma phoda em 99% em proveito de 1%?

Se ninguém compra, ninguém vende. O ciclo vicioso se estabelece. Derrocada geral. Falências em toda esquina. Todas as relações internacionais serão alteradas. O poder mundial mudando de protagonistas. O que antes valia, não valerá mais. O que antes era ouro, será pó. E o inverso emergirá. O peso de cada nação no cenário mundial será outro. Nenhum país sairá ileso, nem minimamente afetado. A porrada será um gancho de direita na ponta do queixo. Nocaute. Game is over!

Pandemônio! Mas quem é o demônio? Para quem leu meus textos publicados em 2019, sabe que cunhei o termo "era digitrônica" numa tentativa de rotular, sintetizar, as mudanças que estamos vivendo, principalmente, nestes últimos 10 anos. Pandemias não são novidade na humanidade. O que é novo, então? A velocidade, a universalidade da disseminação da informação sobre um fato e as infinitas versões sobre ele distribuídas pelas redes sociais. Voltemos 50 anos e imaginemos o mesmo vírus, na mesma China, na mesma Wuhan. Sem a digitrônica o vírus mataria algumas pessoas, tal como o Aedes e similares, por exemplo. As autoridades tomariam as medidas de praxe, semanas depois algum chinês infectado iria para a Itália, transmitiria para um italiano desavisado, e um mês depois diversos velhinhos teriam morrido, exceto um que não morreu e veio visitar a neta no Brasil e o resto seria história de mais uma pandemia mundial como tantas outras.

As pessoas não se importam de morrer. Elas estão em pânico pela hipótese remota de virem a falecer por causa do Covid-19!!! Pelo menos é o que deduzo vendo a reação das pessoas à minha volta. Não se importam de morrer de acidente de automóvel (a cada 1 hora 5 pessoas morrem em acidente de trânsito, ou seja, 60 pessoas por dia no Brasil). Em 2019, foram 1109 mortes por gripe!!! Em 2018 foram 157 homicídios por dia neste nosso país varonil!!! Aqui, em média, 15 pessoas morrem por desnutrição por dia! Ah! Mas isso não me atinge!!! Não vale.

Se você está pensando que estou aqui anunciando o apocalipse, ou, como acreditam algumas pessoas, que o fim do mundo está próximo como previsto na Bíblia (é o que dizem, não sei, não li), não é culpa sua, e sim, minha, proposital. Minha intenção é provocar a reflexão sobre o que é razoável, sobre o que tirar de proveito desta merda toda. Quer ver uma? Toda essa campanha de lavar as mãos, se realmente isso for eficiente contra a disseminação de vírus, a médio e longo prazos teremos uma redução incrível no número de infectados por viroses!!! Coronavírus é ruim, mas isso é bom!

Finalizando, não tenho a mínima dúvida de que o mundo será outro. Muitos e muitos padrões reinantes até aqui nas relações entre humanos e nações será profundamente alterado. Tenho 70 anos. Estou na faixa de altíssimo risco (mais de 20% sucumbem à virose). Mas não vou deixar de viver cada dia desta vida que é algo absolutamente fantástica!

Premonição de Raul Seixas
(Obrigado meu irmão Mauricio Nogueira)


terça-feira, outubro 22, 2019

CHI-CHI-CHI, LE-LE LEVANTE DOS EXCLUÍDOS!!!

Indicação de leitura prévia (pela ordem): A CONSCIÊNCIA DOS EXCLUÍDOS 


A surpresa foi inevitável? Quê? Manifestações (18/10/19) desta ordem de violência no Chile? País com  renda média o dobro da brasileira? Espero, busco mais informação e...


Por trás, na base, o aumento da desigualdade entre o andar de cima e os demais. Frustração. Como o tema é difícil de ser sintetizado para a massa, vamos ao popular e levantemos bandeira contra o aumento das... passagens.  Como a frustração é em escala mundial, no Líbano a reação (17/10/19) foi com base na intenção do governo de taxar em cerca de R$ 0,83 as ligações pelo Whatsapp!!! 


A instantaneidade da comunicação e seu alcance em termos de volume de cidadãos, é uma realidade inevitável e, para o Poder, um problema de governabilidade e passível de só ser controlável depois de muitas mortes (neste instante já são mais de 10 no Chile). O fosso, portanto, é o mote, mas a ação reativa é proporcionada pela era digitrônica, era com caminho sem volta. E aí vêem muitas perguntas sem resposta neste momento.

Como já demonstrado, caminhoneiros podem parar um país prejudicando todos os demais milhões de cidadãos com o único argumento de estarem defendendo seus interesses particulares que têm a seguinte lógica: se o preço do combustível cai, eles querem a manutenção da tabela de preços do frete, mas se o preço subir querem liberdade para cobrar o que acharem devido! Ah! Mas sempre foi assim! Exatamente, a diferença é que "nunca antes na história deste país" jamais houvera uma greve como a de maio de 2018! Antes não havia mecanismo de arregimentação para formar uma força capaz de contrabalançar os interesses do capital (no caso). A partir de agora é possível em poucos minutos convocar um contingente de excluídos para, em turba descontrolada, depredar, saquear, incendiar o que estiver pela frente, tudo em nome "do interesse imediato dos excluídos". Políticos querem que "o povo se exploda", diria o personagem Justo Veríssimo criado pelo gênio Chico Anysio. Caminhoneiros idem. Desempregados idem. Precariados idem. Excluídos idem.

O sistema democrático, como concebido até aqui, terá tempo e condições de se re-inventar? Ou seja, a democracia por meios exclusivamente da representação indireta tem como fazer uma autocrítica rápida e profunda para encontrar um novo modelo capaz de comportar a era digitrônica? E, no Brasil, com a agravante de o dinheiro, portanto, o poder, estar centralizado na esfera federal, ou seja, a distância entre as demandas/necessidades dos cidadãos está a uma distância intransponível daqueles que têm a in/capacidade de legislar/decretar.

Em 8 de agosto a reforma da previdência foi aprovada em segundo turno na câmara e enviada ao Senado. Hoje, 22 de outubro, espera-se pela aprovação em segundo turno. Detalhe: governo e Senado fecharam acordo para não alterar o projeto da Câmara de modo a que este não tivesse que voltar a ser reavaliado e votado pelos deputados e, mesmo assim, são mais de 60 dias decorridos e estamos onde estamos! Isso por que, finalmente, chegou-se a um consenso de que o país estava (ainda está) a caminho da falência provocada pela Constituição de 88, aquela que dá todos os direitos aos cidadão e todos os deveres ao Estado, sem qualquer noção de ou menção à responsabilidade por quem paga a conta!

Sem necessidade de legenda.
Os interesses individuais, particulares, familiares, escusos ou republicanos, continuarão a embotar a visão dos integrantes do parlamento? O encastelamento no Poder levará à construção de um muro virtual em torno da praça dos 3 poderes para manterem-se protegidos da turba ensandecida? Ou, dado que tá difícil andar na ruas e voar em aviões de carreira, mesmo que de primeira ou executiva, vão ter que incluir no orçamento da União uns jatinhos para levar nossa oligarquia pelos céus do Brasil e além?

E se a democracia representativa, independente da vontade dos políticos, vier a ser implodida de fato por uma democracia direta manifesta por redes sociais e movimentos de rua através delas convocados? E agora José, Jair, Luis, Rodrigo, David e outros pretendentes a Rei: o que decidem? Uma coisa é certa, não importa o que os detentores do poder farão ou não farão, um novo sistema será criado mesmo que na marra, pelo simples fato de que algum sistema é preciso ter por base para a vida econômica pode girar. Simples assim.

Ex-Ministro Delfim Netto ao lado de provável General.
Nos primeiros anos da ditadura militar - sim, foi ditadura, foi golpe, foi governo de exceção, foi defesa dos interesses da classe média, foi afastamento de pretensões socialistas, foi combate à guerrilha de dilmas e dirceus, e foi o que abriu as portas para o que está aí, tudo junto e misturado - eu ouvia pela boca de Delfim, que era preciso crescer para dividir o bolo. Hoje constata-se que ele estava corretíssimo: dividiu-se o bolo para os que tinham mais, tirando dos que tinham menos, e aí está o resultado. Dia desses vi o seguinte número: a renda média/mensal em 2018, PRESTA ATENÇÃO, dos 1% brasileiros mais ricos é de cerca de 27,7 mil reais! Enquanto o rendimento dos mais ricos cresceu no ano 8,4%, a queda do rendimento dos 5% mais pobres foi de 3,2%. Entendeu a lógica suicida? Hoje, olhando à distância, tal estratégia - aumentar para distribuir - me soa ilógica. Considerando que a riqueza é medida pelo PIB e que este é resultado da fórmula quantidade de transações multiplicada pelo preço, consequentemente se você aumentar a quantidade de transações estará aumentando o PIB e, consequentemente, a renda per capita! Ora, fica simples entender que se há mais renda para quem tem menos, quem tem menos gasta mais, ou seja, aumenta o giro de transações, mais transações, mais produção, mais renda... Não é difícil de entender, concorda?

O gráfico não em referência a ano, mas é daí para pior.
A primeira mudança para diminuir o abismo é investir junto aos mais ricos para que entendam que quanto maior for a classe média, maior será o mercado (vide mercado americano, alemão, escandinavo e outros), maiores serão as vendas e o ciclo tenderá a ser virtuoso. Para isso, o rendimento de uma aplicação financeira pura(*) no mercado de capitais, na renda fixa ou em fundos de qualquer natureza, não pode ter uma tributação de 15% (algumas até mesmo isentas do IR) enquanto o rendimento do capital a serviço da produção e prestação de serviços paga 34% ou mais! As propostas para uma Reforma Tributária já foi catapultada para 2020 e não tenho informação se uma proposição como esta minha estará contemplada pois ricos têm a infeliz ideia de acharem que vão levar para o Paraíso suas fortunas, mesmo sabendo que no caso dos Faraós isso parece não ter dado muito certo.

Gráfico não datado, mas é daí pra pior.
Uma segunda mudança, também inserida numa futura Reforma Tributária, é a distribuição dos recursos arrecadados. No período da governança militar e depois, foi crescente a transferência dos recursos dos municípios e estados para os cofres do Tesouro Federal. As razões para tal movimento, se foram justificáveis à época, não o são mais. É fundamental uma intensa descentralização da arrecadação de modo a deixar municípios e estados com a maior fatia. Há que se estabelecer uma dinâmica ágil de comunicação e ação entre os anseios da população e as fontes de solução (vereadores e prefeitos, principalmente). Não é em Brasília, mas nas cidades que o cidadão demanda solução nas áreas de educação, saúde, transporte e mobilidade. Contrariamente a este fato inquestionável, indiscutível, a quase totalidade dos municípios e estados está quebrada, com sua arrecadação comprometida com a folha do funcionalismo e de seus pensionistas! Este princípio está no conteúdo das propostas do atual governo federal, mas, como já sabemos, de tão importante a Câmara deixou para 2020.

Gráfico não datado, mas é daí pra pior.
A terceira, visceralmente ligada à segunda, é a estrutura das bases de cálculo dos impostos. Rentistas pagam 15% de IR enquanto consumidores pagam, na maioria dos produtos, impostos entre 30% e 70%!!! Como considero esta inversão uma completa maluquice, e como inverter isto é fundamental para o desenvolvimento do país, tal proposta ficou para ser analisada... em 2020.



Tudo isso só pra cutucar neurônios em descanso. Fui.


(*) Denomino "pura" a aplicação que tem rendimento 100% do rendimento independente da ação do investidor. Ter ações de uma companhia listada em bolsa, em nada pode se equiparar a uma participação societária em uma empresa de responsabilidade limitada.



As imagens aqui inclusas foram obtidas na internet e sem identificação de autor. Caso você seja autor de alguma, por favor me informe para que possa incluir o crédito.

quinta-feira, outubro 17, 2019

QUANDO A JUSTIÇA É INÚTIL

Escrevo na quinta-feira, 17 de outubro de 2019, quando em uma sessão do plenário do STF deverá ser dado mais um passo em direção ao final da discussão sobre a prisão ou não em 2ª instância.

É, na minha ignorante e humilde visão, a mais maluca e idiossincrática discussão que a nossa mais alta Corte já teve oportunidade de protagonizar. Será que você concordará comigo? Vejamos.

Não creio que exista no restante do mundo (*), um país, de governo democrático ou não, que tenha um tribunal de justiça com o objetivo de julgar possíveis crimes e condenar o réu à prisão se provas assim levarem à tal conclusão, mas cuja decisão não possa ser cumprida pelo simples argumento de que tal desfecho possa vir a ser contestado em uma outra instância. Tribunais de justiça têm como única função julgar e punir. Se não é possível aplicar a punição, pra quê julgar? Julgar sem punir é simplesmente um completo non-sense!!! ATENÇÃO: o julgamento é o final de um longo processo no qual defesa e acusação tiveram oportunidades muitas de apresentarem seus argumentos, portanto, tudo passível de contestação pode ser feito até minutos antes de uma sentença ter sido proferida. Voltando ao prático, o noticiário nos dá conta de que o resultado já é "favas contadas" contra a prisão em 2ª instância pelo placar de 6 a 5 ou, um muito provável, 7 a 4!!! Pelo jeito vamos ser vistos como os criadores da maior piada jurídica internacional!!!

Nós temos 4 instâncias judiciais: 1ª, 2ª, STJ (Superior Tribunal de Justiça) e STF (Supremo Tribunal Federal. Para você saber as características e o funcionamento dessa estrutura acesse este link.

Ali você vai encontrar a seguinte afirmação: "se o cidadão não concordou com a sentença do juiz de primeiro grau, ele pode recorrer para que o caso seja julgado no TJ". Perfeito, um direito líquido e certo de um réu. Mas alguém conhece ou soube de um réu que ficou satisfeito com uma sentença que lhe foi desfavorável? E nos surpreendemos com a quantidade de processos que abarrotam todas as instâncias!!! Então não pode ser simplesmente "não gostei", "não concordo", mas sim há que estar muito bem estruturada a argumentação de um recurso a uma instância seguinte.

Recorramos a números. Diz o noticiário que se retrocedermos à posição de que a prisão só pode ocorrer depois desta excrescência do "trânsito em julgado", 190 mil casos terão que ser individualmente analisados para se definir se o réu tem direito a ser solto ou não!!! Você pode imaginar a dimensão deste processo?

Se temos 4 instância e "trânsito em julgado" passou a significar "julgado pelo STF", então meu amigo, fodeu: 100% dos casos levados à justiça poderão ser levados ao Supremo!!!


Atentemos para um outro aspecto. A condenação com prisão é apenas uma das modalidades de punição, existem outras. Pensemos em uma condenação em primeira instância a serviços comunitários por um x tempo. Ou uma condenação a prisão domiciliar? E agora? Vai-se esperar por anos até que chegue ao Supremo para, finalmente, estabelecer o "trânsito em julgado". Há quem vá propor agrupar os tipos de condenação para efeito de se estabelecer critérios diferentes para cada grupo. Desse modo teríamos que prisão em cárcere é diferente de prisão domiciliar e por aí em diante. 

Enfim, se há um tribunal que julga e condena, cumpra-se a condenação independente de qual tenha sido. Ou nossa justiça precisa ser totalmente reformulada pois ela não atende seu objetivo principal, qual seja o de estabelecer uma justa avaliação de um evento a ela submetido. Recorrer é um direito inalienável mas de forma alguma pode anular o cumprimento da decisão de um tribunal. Ou acabe-se com o Tribunal!!!

Se você mais ou menos concorda comigo, há de estar se perguntando por que o óbvio não é tão óbvio assim? Bem, aí é que entram os argumentos "não republicamos" como diria Roberto Jefferson nos tempos de Mensalão. Acontece que os réus agora são do andar de cima, são os compadres, são os colegas da oligarquia, são os privilegiados do poder, são os que nos nomearam ou que nomeamos, são aqueles a quem devemos estar onde estamos! Aí, amigos, tudo muda.

Vamos aguardar o final, ou, pelo menos, a modulação anunciada pelo Presidente do STF. Aí você volta aqui e dá uma conferida no Poder e no Phoder (ainda escrevo sobre isso).

(*) Tenha uma ideia de como é em outros países neste link.




sexta-feira, maio 03, 2019

A CONSCIÊNCIA DOS EXCLUÍDOS - CQD

Jeremy Harding
Depois de ter publicado quatro postagens sobre a consciência dos excluídos, onde apresento minhas conclusões sobre a atualidade das revoltas no mundo ocidental, recebo a revista Piauí de abril/19, e encontro o artigo "Os manifestantes estão em pânico - O que querem os coletes amarelos?", de Jeremy Harding, jornalista inglês, que analisa o movimento francês "coletes amarelos" iniciado em novembro de 2018 (*).

Sou apenas um sujeito com uma antena ligada nos acontecimentos à minha volta, seja no espaço real, midiático ou virtual, procurando encontrar as motivações por trás do que acontece. Minhas quatro postagens procuraram apresentar a tese de que na base das revoltas atuais em andamento estão: 1) a frustração dos cidadãos  com o rumo de suas vidas; e 2) a nova era digitrônica, que os faz ter a consciência, zap-a-zap, de que tal realidade é uma condição inevitável do mundo atual. "Abaixo os privilégios", bradaram os manifestantes como slogan antirriqueza. Nada mais que a consciência dos privilégios "dos outros" como argumento.

Que satisfação, portanto, foi encontrar na excelente matéria de Jeremy Harding, os relatos de fatos coincidentes com minha linha de raciocínio. Ressalto nesta postagem o que considerei mais relevante neste caso.

Temos a tendência de achar que o que está acontecendo nas cidades brasileiras, só está acontecendo... no Brasil. Mas veja o que Jeremy conta: "Bordeaux é um modelo típico das impecáveis 'metrópoles' francesas, absolutamente limpas e organizadas, cercadas por uma periferia empobrecida". Fala de Bordeaux, mas podia ser São Paulo, Rio de Janeiro, Recife... Mais adiante ele vai acrescentar que "a cidade de Bordeaux é o bastião que eles estão cercando, sitiando simbolicamente, na esperança de serem reconhecidos". Como é mesmo que você anda se sentindo em sua cidade?

Como observamos entre nós, tais movimentos de revolta não têm liderança, são organizadamente desorganizados, e entre os seus participantes existem muito mais divergências do que convergências, apenas há um implícito e frágil elo que os une por um tempo cujo fim é incerto. Deixo a seguir alguns trechos que se referem a este aspecto do movimento. 

"Os coletes amarelos são cidadãos plenamente inseridos no século XXI, negligenciados e deixados de lado pela globalização. (...) Eles se mobilizam e tomam decisões de última hora, sobretudo pelo Facebook."

"As manifestações são produzidas e concebidas à medida que se desenrolam."

"Em poucos dias, um movimento sem liderança, mas com um punhado de figuras com projeção nas mídias sociais, tornou-se uma revolta sem líder contra o presidente, o governo, os altos impostos e os baixos salários."

"A ausência de liderança e a horizontalidade eram inegociáveis: um colete amarelo carismático como Éric Drouet poderia vir a público e arrebanhar as tropas, mas nem ele nem ninguém podia falar diretamente com o governo em nome de qualquer outro manifestante."

Jeremy também busca entender os integrantes e pergunta: "Quem eram os coletes amarelos?".

"A resposta é que eram residentes de pequenas e médias cidades degradadas na zona rural, onde o trabalho, as habilidades, as tradições, o comércio pujante e o financiamento público haviam evaporado.(...) Poucos deles estão desempregados. Foram na verdade pessoas em empregos mal remunerados, com contratos precários, pensionistas exasperados e pequenos empreendedores (...)."

Christophe Guilluy
Ele adiciona o que Christophe Guilluy, geográfo, salienta como extrato de suas pesquisas: "o crescente fosso entre as grandes metrópoles e a 'periferia', 'a terra esquecida das pequenas e médias cidades e áreas rurais, lar da maioria da classe trabalhadora'. E mais. "Guilluy tinha visto a raiva se acumulando e previu o choque que traria para o sistema político, mesmo que a rigor ela estivesse muito longe de ser capaz de 'derrubá-lo'."

A matéria também aborda a reação do governo francês. Um grande debate nacional, conhecido como "Cahiers de doléances" [cadernos de queixas] foi proposto por Macron. "O governo abriu uma plataforma online por meio da qual era possível propor reuniões públicas."

Macron
"As reuniões parecem ter sido um estrondoso sucesso. (...) No início de março, 10 mil haviam ocorrido ou estavam agendados. Alguns [encontros] são menores do que se imagina, outros são grandes atos políticos, com a presença de celebridades locais e de parlamentares do partido de Macron."

Jeremy participou de uma dessas reuniões. Ele conta que "cada um de nós recebeu dois cartões coloridos, um vermelho e um verde". "Assim que os cidadãos começavam a falar, devíamos levantar o cartão verde se fôssemos a favor do que estava sendo dito, e o vermelho caso contrário (...)."

[Um cidadão] se referiu ao presidente simplesmente como 'Macron' sem tratá-lo com a devida cortesia e polidez (...) e era favorável à energia nuclear. (...) Cartões vermelhos se agitaram, com desalento. 

Como "governo" é algo imaterial, intocável, não-palpável, para descontar a raiva pelo "fosso" entre os andares do prédio socio-econômico, parte-se para o ataque aos diferentes, e é aqui que surgem as agressões contra os outros, outros que estão entre os próprios.

"O antissemitismo se tornou o principal tipo de manifestação racista, mas não é o único: uma mulher muçulmana foi obrigada a tirar seu hijab num bloqueio de estrada, uma deputada negra foi descrita nas mídias sociais como 'uma crioula gorda macronista, recém-chegada da África'; sentimentos arabofóbicos´ou anti-islâmicos afloram nas mídias sociais."

"(...) o movimento continua sendo uma reunião espontânea de cidadãos enraivecidos que vivem na pobreza e em precárias condições de trabalho."

"(...) muitos coletes amarelos condenaram, eles próprios, de maneira feroz, as manifestações racistas em suas fileiras."

Etienne Balibar
O autor do artigo, cita Etienne Balibar, filósofo francês: "aqueles no topo já não podem mais governar como antes, e aqueles na ponta de baixo não querem mais ser governados como antes".

Próximo ao fim de seu relato, Jeremy lembra que na Europa não há código de conduta que proteja as minorias "contra os intermináveis insultos a que são submetidos por notícias de salários lunáticos e bonificações de banqueiros". "Eles se sentem párias marginalizados e, embora sejam uma imensa multidão, se veem como um novo tipo de minoria, desprovida de instrumentos para se defender da discriminação econômica."

E finaliza: "(...) a raiva e a frustração que hoje se constatam na França muitas vezes dão a impressão de serem uma espécie de pânico do futuro sublimado - sejam lá quais forem os incômodos do presente".

Nos meus tempos de ginásio, nas aulas de matemática, o professor encerrava a demonstração de suas fórmulas escrevendo na "lousa": 
Como Queríamos Demonstrar

Bom final de semana que hoje é sexta!

(*) Para melhor entendimento, leia a íntegra do artigo.