sexta-feira, junho 30, 2017

A CONFISSÃO DO GOLPE

Estou lendo a Piauí de junho ao final do mês quando já espero a chegada da edição de julho. Em matéria de 10 páginas, Fernando Haddad recorre à sua auto-atribuída condição de intelectual da USP e tenta explicar os anos Dilma como se o PT, seu partido, não tivesse nenhuma responsabilidade sobre o Brasil de nossos dias. 

Ler Piauí é fundamental, mas você não precisa correr à banca por esta matéria, não vale o esforço. Reproduzo abaixo o que de unicamente relevante lá consta, a confissão do golpe que ele e alguns outros tentaram aplicar na frágil, e abalada, democracia brasileira.

Deixo-os com a reprodução do relato.

"Vivi os bastidores de um episódio que merece relato. No dia 10 de março de 2016, participei de uma reunião com o ministro da Fazendo Nelson Barbosa, à qual estavam presentes diversas lideranças sindicais, alguns economistas, assessores e o ex-presidente Lula. O tema era economia, mas o debate enveredou pela política. Muitos de nós acreditávamos que o governo Dilma agonizava e não resistiria por muito tempo (1). Por semanas, tentávamos convencer Lula a assumir o governo na condição de ministro-chefe da Casa Civil e ouvíamos sempre a mesma resposta dele próprio: "Não cabem dois presidentes num só palácio" (2). Outro argumento contrário era de que a mídia tentaria caracterizar o gesto como busca de foro privilegiado (3), mesmo que àquela altura Lula não fosse réu. A relutância do ex-presidente à ideia foi enorme (4). Apenas depois de insistentes apelos, Lula concordou em conversar com Dilma sobre as condições de uma eventual ida para o governo - aceitas apenas depois de longa negociação (5). Anúncio feito,  história conhecida: grampo ilegal de um telefonema impróprio, vazamento ilegal de uma conversa surreal e uma liminar que impede a posse (6)."


(1) Na própria visão deles o governo Dilma era um desastre (Nelson Barbosa, presente, não esqueçam).

(2) Aqui o primeiro desprezo Lulo-petista pela Constituição. O golpe deles se justificaria pela simples razão de que Lula desejava corrigir o erro de ter escolhido um poste para lhe suceder. Mas, ele mesmo admite, o palácio era muito pequeno para o tamanho dos egos em disputa.

(3) O segundo desprezo pela Constituição. Dar o golpe, ok, o único problema para eles seria como a mídia trataria o fato!!!

(4) Jogo de cena de político populista como fica provado na tentativa - explicitada logo a seguir - de viabilizar o golpe.

(5) "Depois de longa negociação"!!! O que terá sido negociado? A quais "argumentos" Dilma cedeu e se dispôs a entregar o osso? Quem sabe algum dos presentes venha no futuro nos contar mais detalhes?

(6) Tudo para Haddad, como para o PT, é legal quando lhes favorece, mas sempre ilegal quando contra seus interesses.



sexta-feira, junho 09, 2017

E AÍ, DECIDES O QUÊ?

A verdade não existe. Tudo é relativo à intenção de tornar universal alguma particular verdade. A realidade é falsa ou apenas uma questão de percepção? Mas se a percepção é individual, portanto única, há tantas realidades quanto indivíduos? Se a política não corrompe, o poder sim. De qualquer forma, sempre estarão de mãos dadas. Políticos, exceção à parte que confirmam a regra, são psicopatas e, por condição necessária, têm um mau caráter. Questionados, nada sabem, nunca ouviram. Se confrontados, negarão indefinidamente, pois a prova cabe a quem acusa. Toda informação recebida está contaminada com um interesse privado provavelmente escuso. Os oligarcas induzem a mídia a transmitir mensagens confusas para eliminar certezas incômodas. A mídia seletiva, portanto controversa, tira todo e qualquer sentido em se atribuir o que quer que seja a algo como "a mídia" pois elas são muitas. Se qualquer um pode divulgar nas redes sociais suspeitas infundadas sobre qualquer um, e eu e você somos qualquer um, como separar o fato-fato do fato-fake? Como resgatar uma reputação destruída conexão a conexão se não há como deletar as mensagens postadas, whatsapps distribuídas, e cuja existência estará para todo o sempre guardada em back-ups na nuvem? Se, literalmente, tudo se tornou passageiro e fugaz, onde está o valor? Ou, pior, há valor a ser encontrado? Se estamos afogados em informação, sem tempo para reflexões mínimas, vamos simplesmente seguir o líder? Qualquer líder? Sob qualquer bandeira? Neste mundo pós-moderno e líquido, qual a sua chance? Já pensou nisso? Já? Não? Não importa nossa resposta, só precisamos decidir o que vamos fazer quando conclamados a nos manifestar? E aí, decides o quê?





quinta-feira, junho 01, 2017

UM POUCO MAIS DE ZYGMUNT BALMAN

Terminei a leitura de "Para que serve a sociologia" (Editora Zahar), de Zygmunt Bauman, intelectual polonês, falecido no início de 2017. Este livro é um trabalho de Bauman com dois outros intelectuais, Michel Hviid Jacobsen e Keith Tester, seus amigos, que estruturam muitas ideias do sociólogo usando a técnica de simular uma entrevista. Além de tratar do tema, sociologia, ele vai além, abordando as angústias contemporâneas onde o excesso de informação altera profundamente nossas prioridades e nosso modus vivendi

Eis algumas passagens que selecionei por extrema pertinência com nosso momento Brasil.


"O mundo se atrofiou em histórias, não em informações, e onde as histórias são atrofiadas também o é a capacidade de homens e mulheres entenderem suas vidas num contexto histórico mais amplo.

O caminho que leva a um mundo moral é longo, sinuoso e cheio de armadilhas – as quais, diga-se de passagem, é tarefa do sociólogo investigar e mapear.

Os intelectuais [na esteira de Gramsci] esperavam conduzir e/ou ser conduzidos a uma terra em que a longa marcha rumo à liberdade, à igualdade e à fraternidade finalmente alcançaria seu destino.

Theodor W. Adorno
Pierre Bordieau

Para Adorno, confiar a mensagem ao leitor desconhecido de um futuro indefinido pode ser preferível a transmiti-la aos contemporâneos considerados despreparados ou indispostos a ouvir, que dirá apreender e reter o que ouviram.

Pierre Bourdieu assinalou que o número de personalidades no cenário político capazes de entender e articular as expectativas e demandas de seus eleitores está diminuindo depressa. (...) problemas privados são categorizados como questões públicas.

(...) trazer à luz as contradições não significa resolvê-las. Um caminho longo e tortuoso se estende entre o reconhecimento das raízes de um problema e sua erradicação, e dar o primeiro passo não garante de maneira alguma que outros venham a ser dados, muito menos que o caminho seja percorrido até o fim.


As escolhas humanas não são mais determinadas do que são os movimentos dos jogadores de carteado pelas cartas que eles têm na mão. O lugar em que se está numa situação manipula a distribuição de possibilidades. Ele separa os movimentos viáveis dos inviáveis, assim como os mais prováveis dos menos prováveis. Mas nunca eliminam totalmente a escolha. (...) O poder humano significa a capacidade de manipular as probabilidades das escolhas humanas.


A parte “civilizada” da história humana foi desde o princípio, e provavelmente continuará a ser, uma mistura de aprendizado e esquecimento.

Adquirir novas habilidades sem abandonar as antigas é quase impossível. Para ter sucesso em enfrentar novos desafios, as velhas habilidades são de pouca ajuda, de modo que novas habilidades são exigidas.

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Talcott Parsons articulou assim a “questão hobbesiana”: como induzir, forçar ou doutrinar seres humanos, abençoados ou amaldiçoados com o dom ambíguo do livre-arbítrio, a serem guiados normativamente e a seguirem por rotina cursos de ação manipuláveis, embora previsíveis? (...) Em suma, como fazer as pessoas terem o desejo de fazer aquilo que devem fazer?
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Em “História para as últimas coisas”, Siegfried Kracauer assinala que, à medida que a “segurança paroquial” dá lugar à “confusão cosmopolita”, há um “sentimento generalizado de impotência e abandono”, de “estar perdido num território inexplorado e inimigo”, que – perigosamente – “induz muitas pessoas, presumivelmente a maioria delas, a correr para o abrigo de uma crença unificadora e reconfortante”.

Hoje nos encontramos num “interregno”, um estado em que as velhas formas de fazer as coisas não funcionam mais e os modos de vida antigos e herdados não mais se ajustam à presente conditio humana, mas as novas maneiras de enfrentar os desafios e os novos modos de vida mais adequados às novas condições ainda não foram inventados, posicionados e postos em movimento.

As formas de vida moderna podem diferir em muitos aspectos – mas o que une todas elas é exatamente a fragilidade, transitoriedade, vulnerabilidade e inclinação à mudança constante. “Ser moderno” significa modernizar-se – compulsiva e obsessivamente; nem tanto “ser”, muito menos manter sua identidade intacta, mas eternamente “tornar-se”, evitar a conclusão, continuar indefinido.

Cem anos atrás, “ser moderno” significava buscar “o estado final de perfeição”. Agora significa uma infinidade de aperfeiçoamentos, sem ter em vista nem desejar um “estado final”.

A trajetória de sucessivas mudanças lembra mais um pêndulo que uma linha reta. Cada mudança foi uma tentativa de conciliar demandas incompatíveis, mas os esforços, em geral, terminaram com a renúncia a uma parte de uma delas com o objetivo de satisfazer uma parte da outra. E assim, cada mudança inspirou, mais cedo ou mais tarde, a demanda de outra. (...) Outra forma de dizer a mesma coisa é que cada melhoramento trouxe novas deficiências. (...) os antecedentes só se revelam por meio de suas consequências.

A civilização (significando ordem social) é uma permuta em que alguns valores são sacrificados em função de outros. (...) Nesses termos, pode-se dizer que a história das mudanças sistêmicas é um sucessão de permutas.

Decidir ir a público envolve tornar o texto refém do destino (desconhecido e jamais totalmente previsível, que dirá controlável). Uma vez enviadas as mensagens têm vida própria, autônoma. (...) a versão do autor não goza de superioridade sobre as leituras dos destinatários, já que os significados emergentes são em geral produtos da interação entre o texto e os arcabouços cognitivos formados pelas variadas experiências dos leitores.

Ironia, distância, não comprometimento e acima de tudo a consciência do caráter de “até segunda ordem” das verdades é uma das poucas advertências da versão atual da razão que deveriam – realmente – ser levadas a sério.

As placas de trânsito mudam mais depressa que o tempo gasto para chegar aos destinos que elas apontam. Com o acúmulo de experiências como essa, é arriscado tratar com seriedade qualquer relato sobre a “situação do planeta”, que dirá prognósticos sobre suas condições futuras. Para o bem ou para o mal, nossos contemporâneos são treinados na arte da flexibilidade, o metavalor “imperativamente endossado e recomendado”, assim como popularmente aclamado, da modernidade líquida.

O mundo está mudando e se reordenando (não sem nossa cooperação ou omissão) com demasiada rapidez para que um conjunto de regras, qualquer que seja ele, permaneça funcional por toda a vida de um indivíduo, que dirá ultrapassá-la.

Me preocupa a separação e o iminente divórcio entre o poder, que é a capacidade de fazer com que as coisas sejam feitas, e a política, que é a capacidade de decidir quais coisas precisam ser feitas e quais não precisam.

Grande parte do poder antes contido na soberania do Estado evaporou-se no “espaço dos fluxos” global de Manuel Castells, enquanto a política até hoje continua a ser local.

O que se seguiu a este afastamento foi o paradoxo de uma progressiva coletivização dos problemas, juntamente com a privatização das ferramentas e dos meios necessários para sua solução. Um paradoxo cuja resolução ficou a cargo dos indivíduos, incumbidos da impossível tarefa de enfrentar de modo individual, por conta própria, desafios socialmente produzidos (e apenas socialmente solucionáveis).

O privado invadiu e conquistou a “ágora”, aquele espaço no qual se esperava que interesses privados fossem traduzidos em questões públicas, e onde necessidades públicas se traduzissem em direitos e deveres privados.

“Cortesia” é uma das últimas palavras que me viriam à mente se eu fosse descrever o mundo em que vivemos. “Hipocrisia”, sim. Contudo, confundir hipocrisia (ou seja, a tendência a manter distância do que causa a verdadeira dor e faz as pessoas realmente sofrerem, e a vender a crueldade sob o rótulo da benevolência) com cortesia, de qualquer forma, é o principal objetivo e a marca registrada da hipocrisia, sendo a “correção política” uma de suas manifestações flagrantes, ainda que hipocritamente disfarçada.

Usamos no dia a dia, pública e ostentosamente um tipo de linguagem antes confinado às sarjetas a aos antros do vicio. Não respeitamos mais os direitos de privacidade e intimidade. Talvez o lar do inglês ainda seja seu castelo, mas um castelo aberto aos visitantes 24 horas por dia, sete dias por semana, habitado por pessoas que temem a ausência ou escassez de observadores intrusos como a mais terrível das pragas do Egito.

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Nós nos deleitamos com a visão de aprendizes a perdedores que se mostram à porta da rua e dos habitantes da casa do Big Brother excluídos pelo voto após uma longa semana de humilhações e ridicularizações rotineiras. Não respeitamos nem a dignidade do outro nem a nossa. Quando ouvimos a palavra “honra”, recorremos a um dicionário.

É como se o “direito de difamar” tivesse se tornado um direito humano com tendência a ser universalmente respeitado e defendido com unhas e dentes pelas agências guardiães da lei.

Sem a ressurreição do respeito, não há chance para a solidariedade. Sem solidariedade, não há chance de despertar “as preocupações centrais da sociedade” de sua atual sonolência e forçá-las a abandonar o abrigo impenetrável da desatenção humana.

O que me põe de lado na comunicação ao estilo blog é a atordoante velocidade com que as mensagens entram e saem do domínio da atenção do público, quase sempre sem deixar testamento. Elas surfam pelas mentes em vez de se estabelecer dentro delas pelo tempo necessário para uma reflexão madura e para produzir consequências. Rapidamente lido, logo esquecido."


quinta-feira, maio 25, 2017

SOMOS ÚNICOS, E ME ORGULHO DISSO

Estou orgulhoso do Brasil. Dos brasileiros que foram às ruas pacificamente pedir o fim de um governo que jogou o país na mais profunda recessão de sua história. Orgulhoso de tantos jovens, juízes, promotores do Ministério Público e agentes da Polícia federal que, reunidos em uma força-tarefa, se comprometeram a levar para a cadeia políticos corruptos e falsos empresários(*). 

Lamento profundamente a ação daqueles que, desprovidos de ideias contributivas para efetivas melhorias da condição de vida dos cidadãos, usam a baderna, a agressão e a depredação como voz de reivindicações desconexas surgidas ao sabor do interesse imediato em obter, sejam ganhos privilegiados, seja o poder por ameça à integridade física e desejos de autoritarismos de diversas formas, à esquerda e à direita.

Estamos, sim, perplexos com o que ouvimos nos noticiários. As quantias citadas parecem aumentar com o passar do tempo e com novos acordos de delação premiada. Em uma só dessas delações, ouve-se do interrogado algo mais ou menos assim: "Eu achava que tínhamos acordado 15 milhões de reais, mas ele me disse que não, eram 20 milhões. Então eu lhe dei mais 5 milhões". Como é simples! E o procurador geral Rodrigo Janot nos informa que "os irmãos Batista, da JBS,  relataram o pagamento de propina a quase duas mil autoridades do país"!!!

Estou orgulhoso do Brasil. Somos o único país do mundo na atualidade que discute aberta e profundamente a natureza das relações entre o público e o privado. Aquilo que ao longo da história das nações sempre pertenceu ao mundo da hipocrisia, é exposto aos brasileiros em sua mais completa nudez.

Estou orgulhoso do Brasil. As novas tecnologias estão desestabilizando o status quo dominante. Enquanto nações desenvolvidas ainda se agarram a modelos do passado inócuos para solucionar as demandas provocadas pelas mudanças nos processos de comunicação, só nós, brasileiros, estamos sendo levados a pensar em novos sistemas, novas estruturas, novas formas de participação social e política que incorporem meios para a manifestação  de todos. A democracia, como concebida no passado, não é mais um sistema de governo capaz de nos gerir com eficácia na complexidade do mundo pós-moderno. 

Para uma nova democracia, precisamos de novas ideias. Precisamos de novas mentes. Precisamos de mais jovens comprometidos com o país. Para tanto, precisamos de um novo sistema que crie estímulos para que os psicopatas não se sintam mais atraídos a tomar o poder. Precisamos criar estímulos ao envolvimento político de cidadãos essencialmente altruístas, que pensem primordialmente no outro - este é o papel do político -, ao contrário dos psicopatas que exclusivamente pensam em si mesmos.

Não importa quanto mais venhamos a conhecer sobre como se relacionam Poder e Corrupção. Onde existir poder, haverá corrupção. E onde há corrupção significa que as ações do poder estão direcionadas a um grupo restrito de beneficiados. A corrupção tem mil vidas, ela não se acabará jamais. Nos resta, portanto, trabalhar em duas frentes: criar uma nova classe de políticos e reduzir os estímulos à corrupção (**). 

Estamos dando os primeiros passos neste processo pioneiro entre as nações. Estamos só nas primeiras etapas a caminho do fim da desconstrução do mal. Muito temos por fazer para construir o bem. Muito vamos fazer. 

Estou convicto que vou continuar a me orgulhar do Brasil.


(*) Empresário verdadeiro é aquele que aceita competir correndo os riscos inerentes à sua atividade. Os que jogam sujo e aceitam se locupletar com políticos para ganhar vantagens competitivas não podem ser referenciados como empresários, a estes sempre é necessário preceder o substantivo empresário com o adjetivo "falso".

(**) Vou expor minhas ideias sobre estes caminhos em próximos textos.

terça-feira, maio 09, 2017

A PROPÓSITO DE MORALIDADE (2)

Terminei a leitura de "Ética Pós-Moderna" de Zygmunt Bauman (veja postagem anterior). Como prometido, abaixo mais algumas passagens úteis às reflexões sobre o momento atual do Brasil, do mundo, da vida.

Como sempre, o que está em itálico é do original. Em negrito e entre colchetes, acréscimos meus.

"
Ter um propósito divide as ações entre ações úteis e ações inúteis. O propósito fornece a medida e o critério de escolha.

Ajudar-se mutuamente pode requerer sacrifício, e fazer sacrifício é assunto de moralidade.  (...) O que importa é que dei minha contribuição para a continuação daquele grupo por cujo sucesso se medem o bem e o certo.

Serão as ações sugeridas pelo cálculo de sobrevivência necessariamente morais? E será que a ação não é moral precisamente pelo fato de não ter nenhum valor de sobrevivência?

Não somos morais graças à sociedade (somos apenas éticos ou obedientes à lei graças a ela); vivemos em sociedade, somos sociedade, graças a sermos morais.

Jeremy Bentham acreditava que os seres humanos têm deficiência de altruísmo e por isso precisam da ameaça de coerção para encorajá-los a buscar os interesses da maioria antes que os próprios. 

Como advertiu C. H. Waddington por volta de 1950, "as guerras, torturas, migrações forçadas e outras brutalidades calculadas que constituem muito da história recente foram na maior parte efetuadas por homens que acreditavam sinceramente que suas ações eram justificadas, e, na verdade, exigidas pela aplicação de certos princípios básicos em que acreditavam..."

A proximidade é o campo da intimidade e moralidade; a distância é o campo da estranheza e da Lei.

A curiosidade é a esperança de conhecimento - e, esvanecida a esperança, a curiosidade abre vias à indiferença. Um mistério demasiado hermético que rejeita quaisquer lisonjas e molestações para se permitir abrir, perde seu poder de sedução. Mas também o perde um mistério demais ansioso por se escancarar, de deixar de ser mistério, de exaurir-se em rotina sem surpresa alguma.

FrancescoAlberoni e Salvatore Veca sobre o altruísmo moral: "Se falta a espontaneidade do sentimento do amor, a moralidade seria não obstante possível graças à existência do dever. O dever preenche o vazio deixado pelo amor. (...) A moralidade força-nos a agir como se estivéssemos no amor. O dever "parece" com o amor." 

Como Paul Ricouer sugere: "A lei é um pedagogo que ajuda o penitente a constatar que é pecador".

A multidão é quebradiça e de pouca duração: seus gloriosos momentos são momentos fugazes. Suspendeu-se a estrutura, mas não se desmantelou. A multidão é uma licença de ausência da estrutura, mas em nenhum lugar não há senão estrutura para voltar depois de terminar a licença.

Na multidão, somos todos iguais. Andamos juntos, dançamos juntos, nos acotovelamos juntos, ardemos juntos, matamos juntos - "sendo a única coisa importante que todos possam se banhar  no ambiente emotivo".

Michel Maffesoli: "A sucessão de presentes" (sem nenhum futuro) é a melhor caracterização da atmosfera do momento.

Quanto mais "estranho" for o estranho, tanto menos confiança tenho de, por minha decisão, atribuir-lhe um tipo. (...) O estranho porta uma ameaça de classificação errônea, mas ele é uma ameaça à classificação como tal, à ordem do universo, ao valor de orientação do espaço social - ao meu mundo de vida como tal.

Para viver com estranhos, é preciso dominar a arte do mau-encontro. A aplicação dessa arte é necessária se os estranhos, meramente por seu número senão por qualquer outra razão, não se podem domesticar para se tornarem próximos.

Com toda probabilidade continuaremos a praticar atos tanto irracionais como imorais - assim como atos que são irracionais sendo morais, e atos que são racionais e todavia imorais. 

poder de minha fantasia é o único limite que tem a realidade que eu imagino, é o único de que se precisa. A vida é um monte de episódios dos quais nenhum é definido, inequívoco, irreversível; a vida é como um jogo.

Robert Dreyfus: "Você quer legislar qualidade de vida e você se vê perante esse estranho problema de que os aspectos receptivos e espontâneos da qualidade de vida se perderiam se você legislasse sobre ela."

O dilema tecnológico (...) refere-se à ideia (...) de que se você se deparar com uma dificuldade tecnológica, sempre poderá esperar resolvê-la inventando outro dispositivo tecnológico.

Só a tecnologia pode "melhorar" a tecnologia, curando doenças de ontem com drogas maravilhosas de hoje, antes que seus próprios efeitos colaterais se interponham amanhã e exijam drogas novas e melhoradas.

[A explicação para os avanços tecnológicos é simples] Foi feito porque podia ser feito. E isso é tudo.

O dilema tecnológico é, em penúltima análise, a declaração de independência dos meios dos fins; em última análise, o anúncio da soberania dos meios sobre os fins. "Tens carro, podes viajar". A destinação não é nada, é o ter carro que importa. É estar em posição para tratar todos os lugares como destinos que conta - e a única coisa que conta.

Se alguma coisa pode ser feita, não existe nenhuma autoridade na terra ou no céu que tenha o direito de proibir seu acontecimento (a não ser que a autoridade disponha de capacidade ainda maior de fazer as coisas acontecerem a seu arbítrio).

Para manter bem lubrificadas as rodas do mercado consumidor, é preciso constante suprimento de novos perigos bem propalados. E os perigos, de que se precisa, devem ter capacidade de se traduzir em demanda do consumidor: esses perigos são "feitos na medida" para o combate privatizado de riscos. 

A declaração de guerra contra o colesterol manda os produtores de laticínios às ruas em defesa dos mercados do leite e da manteiga.

Preocupamo-nos profundamente com o que chamamos de explosão demográfica, mas todos nós - naturalmente -, aplaudimos como progresso os avanços feitos para prolongar vidas individuais - e, obviamente, cada um de nós deseja participar pessoalmente de suas façanhas.

(...) o que se precisa para as pessoas se juntarem na luta é só o conhecimento dos riscos e, particularmente, da universalidade dos perigos que implicam.

A moralidade superior é sempre a moralidade do superior.

A globalização da economia e da informação e a fragmentação da soberania política não são tendências opostas e em consequência mutuamente conflitivas e incompatíveis; são antes fatores coevos no contínuo rearranjo de vários aspectos de integração sistemática.

A pós-modernidade tem duas faces (...): De um lado a fúria sectária da auto-afirmação neotribal, o ressurgimento da violência como o principal instrumento de construção da ordem, a busca febril das verdades caseiras de que se espera preencher o vazio da ágora desertada. De outro lado, a recusa dos retores [retóricos] de ontem da ágora a julgar, discriminar, escolher entre escolhas: toda escolha vale, contanto que seja escolha, e toda ordem é boa, contanto que seja uma das muitas e não exclua outras ordens.

A tolerância dos retores nutre-se da intolerância das tribos. A intolerância das tribos haure [extrai] confiança da tolerância dos retores.

[Sobre o Estado do Bem-estar]: o que costumava ser uma segurança coletiva contra desastres individuais converteu-se numa nação dividida entre os pagadores de seguro e os recebedores do beneficio. (...) o desmantelamento do Estado de Bem-estar desenvolve interesses econômicos como meio de libertar o calculo político de constrições morais. A responsabilidade moral é uma vez mais algo "pelo qual é preciso pagar" e, consequentemente, que alguém pode bem ser "incapaz de aguentar pagar".

As pessoas investidas de confiança pública precisam ser confiáveis e provar que o são.

A política não é mais o que os políticos fazem; pode-se aventurar a dizer que a política que verdadeiramente importa é feita em lugares muito distantes dos escritórios dos políticos. 
"